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Conto: Entre as coxias

Está quase na hora do espetáculo. Enquanto você veste sua fantasia de bruxa, suas colegas correm de um lado para o outro do camarim, algumas ajeitando a maquiagem, outras o cabelo. Suas mãos não param de tremer. E se você errar alguma fala? E se você cair enquanto anda? E se a plateia rir de você? Você fica zonza por um instante, e precisa se apoiar na parede.

“Alguém viu meu microfone?” você diz, ao perceber que seu microfone não está na bancada, onde você o deixou mais cedo. “Tracy, você viu meu microfone?”

Tracy nega com a cabeça, e você começa a suar frio. Abre todas as gavetas embaixo da bancada, já desesperada. O microfone não está lá. Você abre a porta do camarim e sai do mesmo. Bate na porta do camarim masculino, uma mão tapando os olhos quando esta abre. “Meu microfone está aqui, por acaso?”

Samuel pega na sua mão e a tira de seu rosto. Ele a abaixa, mas continua segurando. “Alguém viu o microfone da Mel?” ele grita para dentro do camarim, mas ninguém responde. Ele te pede desculpas, e você se vira para voltar para seu próprio camarim, mas então ele te puxa de volta. A mão dele ainda segura a sua, e logo seus lábios também estão nos dele. Você fica tão surpresa com o beijo que se afasta rapidamente, e o encara.

“Vai ficar tudo bem.” Ele te lança um sorriso encorajador, e você o abraça. “Boa sorte”, ele diz, e então você se solta dele. Você vai até o bebedouro e bebe um pouco de água, tentando se acalmar. Samantha aparece o seu lado e te avisa que faltam dez minutos para o início do espetáculo, e é aí que você realmente começa a surtar. Você se apoia no bebedouro, tenta forçar seus pulmões a tragarem um pouco de oxigênio. Começa a se perguntar se foi uma boa ideia deixar a bombinha de asma na plateia com seus pais. Após alguns minutos, sua respiração normaliza e você consegue relaxar um pouquinho.

Você repete para si mesma que vai dar tudo certo, várias e várias vezes, como um mantra. E meio que a estratégia funciona, porque, aos poucos, você vai se sentindo um pouco mais segura. Você sabe todas suas falas de cor. Praticou as entradas e saídas um milhão de vezes. As chances de você cometer algum erro são mínimas, e é óbvio que a plateia não vai rir de você.

Você volta para o camarim e procura novamente o microfone, dessa vez com mais atenção. Abre todas as gavetas de novo, olha debaixo de todas as roupas jogadas sobre a bancada, quando escuta uma batida na porta. Voce grita para a pessoa entrar e então você vê a cabeça cacheada de Samuel na fresta da porta. “Era isso que você estava procurando?” Ele te estende o microfone de lapela, e você fica com vontade de chorar de alívio. Você abre mais a porta e pressiona seus lábios contra os dele. Ele sorri e você sai do camarim. Você vê Samantha acenando para você no escuro, e corre até ela. Vocês duas se posicionam lado a lado na coxia e se preparam para a entrada, e ela aperta sua mão rapidamente. Quando você finalmente pisa no palco e o foco de luz te atinge, toda sua tensão vai embora. Seus músculos finalmente relaxam e você abre seu sorriso mais sincero. Você finalmente se lembra o porquê de estar ali. O teatro é sua zona de conforto. Você não tem motivos para ficar nervosa. Afinal, o palco é seu universo particular.

Por Julia Moreno